COTA PATRIMONIAL EM UM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA – CONSIDERAÇÕES

Essa é uma discussão quase interminável e que depende de uma grande quantidade de fatores, inclusive subjetivos. Cada escritório ou especificamente seus sócios têm visões diferentes sobre esse assunto e com certeza não penso que dificilmente haverá um consenso ou uma regra universal, mas espero trazer a essa discussão alguns conceitos que poderão ajudar nessa difícil tarefa. Antes de entrarmos na discussão dos valor da cota devemos entender corretamente o que é e como funciona o “negócio” chamado escritório de advocacia.

QUANTO VALE UM ESCRITÓRIO ?

A primeira consideração é que escritórios de advocacia são prestadores de serviços intelectuais e neles, diferentemente de uma fabrica, não existem ativos físicos ou  ”fundo de comércio” e sim somente pessoas. Dessa forma o seu maior e único patrimônio são essas pessoas que nele trabalham e por esse motivo gosto da frase: “o patrimônio de um escritório de advocacia desce a escada (ou o elevador) todos os dias e vai para casa”. Se imaginarmos uma estranha situação quando, por algum motivo, nenhuma dessas pessoas voltar a trabalhar, o valor desse escritório será zero ou até negativo!

A segunda consideração é determinação do valor contábil / financeiro do negócio. Obviamente existem diversos conceitos e formas de valoração de empresas, mas aquele que eu considero mais adaptado à realidade de escritórios de advocacia é o calculo do fluxo de caixa descontado, ou seja, sua capacidade de faturamento/lucro futuro em um determinado período futuro associado ao calculo do EBTDA (quando um escritório já esta trabalhando em “velocidade cruzeiro”).

O problema aparece quando combinamos esses dois conceitos, pois o segundo pressupõe a manutenção da estrutura existente (as pessoas) para poder ser calculado. Torna-se  muito difícil de avaliar e prever se a equipe se manterá e qual seria o impacto na avaliação na eventual falta de alguma(s) pessoa(s).

Exemplificando: imaginemos um escritório com 3 sócios que detém respectivamente 15%, 35% e 50% da responsabilidade pela manutenção de seu faturamento. Se calcularmos o valor citado anteriormente numa situação de normalidade, o resultado se apresenta de uma forma, mas se tentarmos calcular o valor sem a presença de algum desses sócios a situação se complica bastante, pois não se sabe previamente qual impacto que essa ausência causará no faturamento / lucro.

Restarão algumas perguntas difíceis (ou quase impossíveis) de serem previstas:

  • Qual o impacto da falta dessa ”força de trabalho”?
  • O seu trabalho como advogado será substituído ou repassado a outras pessoas? Em que proporção?
  • Essas pessoas terão a capacidade técnica de substituí-lo?
  • Qual impacto no faturamento?
  • Os clientes que esse sócio gerenciava ficarão no escritório ou o deixarão?
  • Qual o impacto na equipe? Outros advogados também deixarão o escritório?
  • Qual efeito interno na gestão do negócio?
  • Este sócio tinha papel importante na direção do negócio?
  • Qual impacto na imagem externa e no marketing institucional ?

E se a ausência for do sócio majoritário (aquele de 50%)?  Neste caso especificamente será que o negócio se sustentará no futuro?

Na verdade o valor de um escritório de advocacia vale a somatória dos “valores” de cada sócio, entendendo-se aqui como valores as competências que cada um traz à sociedade. O escritório tem o valor dos seus sócios e desta forma é impossível separar as duas coisas.

QUANTO VALE UMA COTA?

Levando- se em consideração as observações anteriores penso não ser uma boa ideia se adotar o critério de valoração de cotas e a compra e venda dessas cotas na entrada ou saída de sócios. Dependendo da situação a composição societária pode variar radicalmente e as cotas existentes podem ter seus valores alterados de forma muito importante podendo chegar até a não valer nada!

Se mesmo assim o escritório quiser adotar o critério de valoração de cotas minha sugestão é que se leve em consideração alguns fatores na sua determinação. O principal fator que pode interferir na valoração da cota é o tempo, ou seja, o estagio de crescimento que o escritório se encontra.

A fase inicial é aquela de criação do escritório  e que exige um grande investimento para o seu aparelhamento, normalmente  custeado com as reservas pessoais dos sócios fundadores. É exatamente nesta fase que começa a se formar na cabeça desses sócios o conceito de “cotas patrimoniais”. A logica no pensamento destes fundadores é que ao ser inserido no futuro um novo sócio, este deverá participar de alguma forma do investimento inicial realizado e dependendo do período em que isto acontece o raciocínio pode estar totalmente equivocado.

O valor do investimento inicial deve ser considerado como um financiamento obtido (não importa a origem e pode ser até de um empréstimo bancário por exemplo) e que a sociedade, no seu andamento futuro deve de alguma forma devolvê-lo. Se o caso for de um empréstimo bancário, este será devolvido com juros e correção e se a origem for de reservas pessoais, também deve ser devolvido! De que forma? Sob a forma de distribuição de lucros desproporcionais ao(s) sócio(s) financiador(es).

Após o inicio das atividades e da presença de lucros operacionais, determina-se primordialmente uma parcela dos lucros que será destinada a quitação do “empréstimo” e posteriormente deverão ser feitas as distribuições normais aos outros sócios que não participaram do investimento inicial.

Vejamos uma situação hipotética representada pelo gráfico abaixo onde foi realizado um investimento de 1.000 unidades monetárias no primeiro ano e nos anos sucessivos as linhas verde e azul representam respectivamente o faturamento e os lucros distribuídos (da ordem de 33% do faturamento).

No momento que a área compreendida entre o eixo horizontal e abaixo da linha azul for igual à área acima da linha vermelha e o mesmo eixo, o empréstimo estará quitado. Considerando-se que a quase totalidade desse investimento refere-se às instalações e como já vimos que o patrimônio de qualquer escritório são as pessoas e não as instalações, a partir deste momento o investimento inicial não deverá ter mais nenhuma interferência na determinação da chamada cota patrimonial, pois os sócios investidores já foram totalmente ressarcidos.

Se efetivamente um sócio for incorporado à sociedade no período de quitação este deverá participará do processo por meio das distribuições desproporcionais. Se este sócio  for inserido depois desse período não deverá haver mais interferência em suas retiradas.

Ainda assim se o escritório quiser cobrar ou vender suas cotas na incorporação de um sócio externo, o valor pode ser determinado pelo processo de valoração do negócio baseado no  fluxo de caixa descontado. No caso de advogados internos que podem ser alçados à condição de sócio, deve-se levar em consideração a diferença entre a contribuição que este profissional já faz à sociedade (em termos de faturamento e lucro) e seu custo e assim determinar o valor de sua futura cota.

Outra forma de se determinar o valor da cota é considerar um aporte simbólico à sociedade como prova de confiança e comprometimento com esta, como se fosse as “luvas” em contratos de locação, por exemplo.

COMO REMUNERAR AS COTAS

No caso da existência de cotas patrimoniais, estas devem ser consideradas da mesma forma que qualquer aplicação financeira em cotas de fundos de investimento patrimoniais (como fundos imobiliários por exemplo).

O detentor de cotas espera receber de seu investimento (na sociedade) uma rentabilidade que seja compatível ou maior que a sua carteira de investimentos oferece.

Neste caso, dos lucros apurados em determinado período deve-se separar uma parte para remunerar as cotas e o resto ser dividido entre todos os sócios (inclusive os cotistas) conforme critério de avaliação de performance, por exemplo (não discutido neste artigo).

 

PARA QUE SERVEM AS COTAS

No meu ponto de vista cotas estão relacionadas à investimentos e não devem ser consideradas como “relativizador” ou “medidor” de importância relativa de um sócio na sociedade. O processo decisório e a determinação do poder relativo entre os sócios, repetindo no meu ponto de vista, não deve ser baseado nas cotas patrimoniais (caso existam), mas sim devem ser considerados outros fatores e os principais deles são : sua capacidade de captação e atração de novos clientes; seu conhecimento e profundidade jurídica; sua participação no faturamento da sociedade; sua capacidade gerencial; seu envolvimento institucional e sua visão de negócio e tudo isso não tem nada a ver com sua situação financeira e patrimonial ou sua capacidade de investimento.

Desta forma, a detenção de cotas não deve ser utilizado como elemento de diferenciação no processo decisório.

SAIDA DE SÓCIOS

Esta tem sido uma situação bastante comum ultimamente tendo em vista a quantidade enorme de splits e a criação de novos escritórios no mercado. Todas as consideração que foram feitas até aqui abrangeram quase que exclusivamente as situações de entradas de sócios e a definição de suas cotas, mas o processo se torna exponencialmente mais complicado na situação de saída ou desligamento de um sócio e basicamente por conta das perguntas formuladas no inicio desta discussão quando falamos sobre valoração da sociedade.

CONCLUSÃO

Levando-se em consideração todos os fatores discutidos e vários outros não tratados aqui, minha sugestão a todo e qualquer escritório de advocacia é que não adote o conceito de valoração e compra / venda de cotas e sim o conceito de cessão de cotas que tornará o processo mais correto e fiel à realidade. Lembrando que o real e importante património de um escritório de advocacia são seus sócios e advogados, ou seja, as  pessoas e não as cotas!

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